03 julho 2012

a caminho de um falhanço colossal

Nicolau Santos
Expresso, 30 de Junho

Não poupemos nas palavras. Um ano após ter tomado posse e definido uma estratégia que foi claramente mais longe do que aquilo que estava acordado com a troika, o Governo está à beira de um falhanço colossal em matéria do Orçamento de Estado.

Não é caso para todos os que disseram e escreveram que esta estratégia só podia acabar nisto se ufanarem. Estando à beira do abismo, o primeiro-ministro já admitiu que não hesitará em dar o passo em frente, só para provar aos mercados e aos nossos parceiros externos a sua fortíssima determinação em ultrapassar o acordo com a troika, mesmo que isso signifique lançar mais medidas de austeridade, que cairão em cima do já muito fustigado lombo da generalidade dos portugueses, na alegórica linguagem do primeiro-ministro.

Se fosse outro Executivo, cairia o Carmo e a Trindade com acusações de incompetência e incapacidade para travar o despesismo do Estado. Ora perante um Governo que calculou que o IVA ia crescer 11,6% e está confrontado com uma descida de 2,8% até maio; com uma quebra nos impostos sobre veículos que estava prevista ser de 6,5% e já vai em 47% (!); com um recuo esperado de 2,1% no imposto sobre produtos petrolíferos, que ascende já a 8,4%; com um aumento no subsídio de desemprego de 23%, quando o Executivo apontava para 3,8%; e com uma quebra nas contribuições para a segurança social de 3%, quando se esperava apenas 1% - o que se pode dizer se não que se trata de um falhanço verdadeiramente colossal da equipa das Finanças e, em particular, do brilhantíssimo e competentíssimo ministro Vítor Gaspar?

Não, não douremos a pílula. Este descalabro não resulta de alterações dramáticas da conjuntura internacional, que tenham desvirtuado drasticamente as bases em que assenta o Orçamento de Estado de 2012. Este descalabro resulta do profundo desconhecimento de como funciona a economia portuguesa, reduzida a uma folha de Excell onde qualquer medida X terá sempre o resultado Y; resulta da desvalorização ostensiva dos sucessivos sinais do estrangulamento financeiro das pequenas e médias empresas nacionais, devido à brutal travagem no crédito bancário; resulta da convicção profunda de que depois de falirem milhares de empresas, de explodir o desemprego e da economia atravessar uma profunda recessão, se reerguerá das cinzas com grande facilidade como uma fénix renascida; e resulta ainda do autismo germânico do primeiro-ministro e do ministro das Finanças, que nunca puseram em causa se seria possível fazer o ajustamento previsto no acordo com a troika, no tempo, com o financiamento e as condições que nos foram exigidas.

Diz-nos agora o ministro das Finanças que na análise da sua equipa, e economia portuguesa ainda não está em fase de exaustão fiscal. Se a esta afirmação juntarmos a do primeiro-ministro, que admite novas medidas de austeridade se necessárias, então só podemos recear que mais impostos venham a ser lançados sobre o rendimento das famílias e empresas - a não ser que a troika nos dê mais tempo para cumprir o défice de 3% ou que aceite que receitas extraordinárias contem para o défice este ano. Em qualquer caso, quando é mais do que evidente como o garrote fiscal está a estrangular a economia e que mais impostos vão provocar ainda mais recessão e menos receita, é extraordinário que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças insistam neste caminho. Já não é fé na receita, mas apenas a mais absoluta irracionalidade.