15 março 2013

A Lei das Rendas e suas Consequências

Comissão de Inquilinos das Avenidas Novas
(Documento de abertura da sessão-debate no Palácio Galveias, 7 de Março de 2013)

É uma perfeita evidência dizer que todas as mudanças legislativas que envolvem a sociedade devem ser longamente ponderadas, na medida em que envolvem pessoas e produzem frequentemente numerosos efeitos colaterais. Mas se essas pessoas forem predominantemente idosas e reformadas, maiores serão necessariamente os cuidados a tomar. E se a legislação incidir sobre aspectos de maior melindre, como a casa onde as pessoas habitam, mais difícil se torna ainda a tarefa.

Escudando-se no documento da troika que referia a adopção de «medidas tendentes a corrigir o NRAU, de 6/2006», o Governo elaborou a Lei 31/2012 que foi votada no Parlamento e promulgada pelo Presidente da República em Novembro passado. Ela vai muito além do que consta no referido memorando.

Assim, contratos legais, anteriores a 1990, livremente firmados entre particulares, foram, se não rasgados, desvirtuados com uma legislação que ultrapassa largamente o âmbito das medidas regulamentares, pondo em causa o constitucional direito à habitação e o imperativo determinado pela Constituição Portuguesa de uma política de rendas «compatível com o rendimento familiar» (artº 65- nº 1 e 2).

Mesmo uma leitura superficial da lei leva qualquer pessoa a concluir que se trata de legislação leoninamente favorável aos senhorios. Apontaremos apenas alguns casos mais flagrantes, dos quais o não menos importante é o facto de aos senhorios ser dada a possibilidade de aumentar as rendas sem fazerem quaisquer obras nos prédios que lhes pertencem. Se é verdade que muitos dos fogos ainda estão em condições razoáveis de habitabilidade, tal se deve, nomeadamente, a obras de manutenção que os velhos inquilinos neles fizeram. Como se sabe, outras habitações deixam muito a desejar. Uma lei que não garante a qualidade dos edifícios será sempre uma lei coxa.

Uma outra anomalia consiste na liberalização das rendas após cinco anos, para todos os inquilinos de rendas antigas, mesmo que não tenham suficientes posses, e uma quase-liberalização imediata das rendas para todos aqueles cujo agregado familiar aufira um montante mensal ilíquido superior a 2425 euros. Não só a nova avaliação dos edifícios faz subir o valor mensal patrimonial para um patamar bastante acima do actual, como também a percentagem que sobre esse valor incide para definição de um tecto de renda válido durante cinco anos foi aumentado de uns aceitáveis 4 por cento para uns exagerados 6,7 por cento. E, note-se, na avaliação os prédios não são vistoriados, pelo que um fogo degradado vale o mesmo que outro idêntico mantido em razoáveis condições. O facto de o inquilino não poder contestar a avaliação representa mais uma faceta do pendor leonino da lei a favor do senhorio.

Mas para além dos aspectos inerentes à lei, o momento da sua aplicação não podia ser mais inoportuno. Ao mesmo tempo que publica legislação que permite que as rendas aumentem de forma desmesurada para os inquilinos que ficam fora das cláusulas temporárias de salvaguarda (nas Avenidas Novas as rendas podem facilmente atingir os 1000 euros), o governo aplica a esses mesmos inquilinos uma carga fiscal que, ao reduzir de forma drástica o seu rendimento disponível, os pode colocar, inesperadamente e com grande desespero seu, numa situação de insolvência. Ficar sem uma habitação aos 70, aos 75, aos 80, ou aos 90 anos é um golpe tão grande que abreviará decerto a vida de muita gente.

Existe neste momento - e sentimo-lo bem nas manifestações de rua que têm abalado o país - uma inquietação geral em numerosas famílias. O sempre crescente desemprego reinante avoluma terrivelmente os problemas. Há um número considerável de idosos que já passaram a ter de partilhar a sua habitação (e também a sua reforma) com filhos e netos. A classe média vê-se a desaparecer, afogada em cortes e impostos, que diminuem drasticamente a sua qualidade de vida e não raramente põem em causa a sua própria sobrevivência.

O Governo poderia e deveria ter cumprido a promessa eleitoral de conferir um período de 15 anos para a fase de transição, deixando que a própria lei da vida resolvesse naturalmente o problema das rendas antigas. Preferiu despejar idsosos, mostrando também nesse domínio uma frieza arrepiante perante o sofrimento de pessoas que viveram décadas numa casa, numa zona, e que são obrigadas, numa fase da vida em que as suas capacidades de adaptação praticamente desapareceram, a deixar tudo para trás. E quantos não terão outra solução senão lares ou asilos, de qualidade duvidosa, verdadeiras antecâmaras da morte, pois os apoios de renda de que o governo fala não merecem credibilidade.

Estes são porventura demasiados problemas para um só debate, mas não temos dúvidas de que a qualidade dos oradores presentes representará um valioso contributo que forlalecerá a nossa determinação de continuar a lutar pelo direito a permanecermos nas casas onde vivemos há décadas. Desde já, um muito obrigado à senhora Vereadora da Cultura, Dra. Catarina Vaz Pinto, aos responsáveis pela Biblioteca Municipal do Palácio Galveias e, evidentemente, os nossos agradecimentos e uma salva de palmas aos três oradores nossos convidados, que tão amavelmente se prestaram a colaborar nesta causa, que, sendo nossa, é principalmente de muitos milhares de famílias portuguesas.

Muito obrigado!