28 maio 2013

Memórias portuguesas (triviais e pessoais)

Paul Krugman
The New York Times, 27 de Maio de 2013

Não quis misturar este texto com o meu post mais substantivo sobre Portugal. Mas alguns leitores talvez possam estar interessados em conhecer certas memórias sentimentais da minha juventude.

Estava-se em 1975, pouco tempo depois do derrube da ditadura que governou o país durante meio século. O governador do Banco de Portugal, José da Silva Lopes, telefonou ao seu velho amigo Dick Eckaus, professor no MIT, para ver se ele podia conseguir que algumas pessoas de lá pudessem ir a Portugal e oferecer consultoria especializada. Apareceu uma equipa composta (tanto quanto me lembro) por Eckaus, Rudi Dornbusch e Lance Taylor (e tenho a certeza que o Bob Solow também foi). Tudo indica que eles tenham feito um óptimo trabalho, coligindo as contas nacionais, entre outras coisas, e Silva Lopes quis mais. Mas infelizmente os seniores da faculdade do MIT já não estavam disponíveis.

Assim, no verão de 1976 arranjaram cinco estudantes do MIT: Miguel Beleza (um português, que viria a tornar-se governador do Banco de Portugal e ministro das Finanças), Andy Abel, Jeff Frankel, Ray Hill (que foi depois para o privado) e eu. A avaliar pelas posteriores reputações académicas, conseguiu-se um grupo e tanto! No ano seguinte, já agora, conseguiram recrutar David Germany, Jeremy Bulow e, adivinhem quem, Ken Rogoff.

No verão de 1976 Portugal era um lugar interessantemente estranho - estava ainda numa situação um pouco caótica, em resultado do golpe de Estado e da retirada do seu império africano (os hotéis estavam cheios de «retornados» vindos de África, aí colocados temporariamente). Lisboa assemelhava-se por vezes a um fóssil, com muita da sua aparência e das suas infraestruturas a evidenciar escassas mudanças em relação à era Eduardiana. A democracia ainda vacilava, com os cartazes maoistas, espalhados em toda a parte, a induzir em erro. A esquerda democrática tinha ganho de forma absolutamente decisiva no momento em que chegámos (apesar de a televisão ainda estar a mostrar programas da Alemanha de Leste sobre tractores e de as salas de cinema estarem a passar pornografia ocidental com uma década de atraso).

O país era, em suma, fascinante, amável, mas ainda muito pobre.

Estivemos numa conferência de reencontro 25 anos mais tarde e Lisboa, para ser sincero, decepcionou-me um pouco: mesmo que encantadora, tinha-se tornado numa cidade europeia normal. Mas essa normalidade significava, como todos na altura reconhecemos, uma coisa maravilhosa: Portugal tinha emergido de uma longa e conturbada história para se tornar parte do patamar elementar de decência do Modelo Social Europeu.

E é tudo isso que está agora ameaçado.

Às vezes encontro europeus que dizem que as minhas duras críticas à troika e às suas políticas significam que eu sou anti-europeu. Pelo contrário: o projecto europeu, a construção da paz, da democracia e da prosperidade através da União é uma das melhores coisas que já aconteceu à humanidade. E é por isso que as políticas erradas, que estão a fragmentar a Europa, são uma enorme tragédia.

Adenda: uma fotografia pouco nítida mas mesmo assim embaraçosa; Beleza, Abel, Frankel e eu: