19 outubro 2013

O espelho enlameado

Jorge Nascimento Rodrigues
19 de Outubro de 2013 (facebook)

A Comissão Europeia é provavelmente hoje o espelho da falência da gestão da crise da dívida e dos resgates - mais do que o FMI inclusive, que sempre insistiu em mais capacidade de manobra (como no caso, hoje de antologia, da Grécia ao defender desde cedo a reestruturação de dívida e uma não concentração de chofre do ajustamento).
Por debaixo daquela prosápia do dr Barrosão ou do inefável Òllio de Rehna está uma sequência de políticas que falharam os seus próprios propósitos:
● A austeridade expansionista, uma patranha pseudo-académica miseravelmente denunciada pela realidade;
● O incumprimento de metas de défices orçamentais absurdas em 3 anos, sucessivamente "revistas";
● A surpresa cínica com o disparo do desemprego e da emigração desesperada;
● A destruição do tecido económico para além de um shumpeterianismo de algibeira de "destruição criativa";
● Uma pseudo-reforma dos Estados "despesistas", "reforma" que vive do confisco dos seus funcionários, dos reformados e dos contribuintes;
● Uma concentração financeira e da oligarquia empresarial ainda maior do que no início da crise, e contra o propalado discurso inicial contra os pecados da finança (na altura, "americana") que levaram ao colapso de 2008;
● O ludibriar dos companheiros de estrada que acreditavam na promoção do "empreendedorismo" e da meritrocracia, do mundo florescente das PME "globais" e da limpeza das anti-competitividades; salvo alguns que vivem no ecossistema, a maioria está hoje arrasada;
● A intromissão infame nas soluções governativas dos países que gerou o caos em Itália e uma quase vitória do Syriza na Grécia e a emergência da Aurora Dourada.
Dar guia de marcha a esta Comissão no próximo ano é um acto de higiene europeia.

16 outubro 2013

Direcção do CDS teme que segundo resgate imponha um "pacto constitucional"

São José Almeida
Público, 16 de Outubro de 2013

Paulo Portas discutiu com membros da comissão directiva do CDS a necessidade de o partido aceitar as medidas draconianas de cortes nas prestações sociais e a redução dos salários da função pública que estão inscritas no Orçamento de Estado para 2014, alegando que, na sua opinião, este é o mal menor para Portugal.
A alternativa, garantiu o vice-primeiro-ministro aos seus pares de direcção, de acordo com as informações obtidas pelo PÚBLICO, poderia conduzir à ingovernabilidade, já que poderia levar a um novo memorando com contornos de "pacto constitucional".
Paulo Portas está convencido de que o PS nunca aceitaria tal acordo. E assumiu perante a sua direcção que cabe ao CDS defender que se preserve o quadro constitucional vigente, com o qual este partido historicamente não concorda, pois foi o único que votou contra a Constituição em 1976.
O líder do CDS e vice-primeiro-ministro, com a responsabilidade de negociar a situação portuguesa com a troika, assumiu perante membros da direcção do partido que existe o risco de Portugal entrar em incumprimento dos compromissos actuais, por incapacidade de atingir as metas acordadas até aqui, e se ver então obrigado a recorrer a um segundo empréstimo, ainda que este viesse a adquirir a fórmula de um plano de apoio e não tanto o estatuto de segundo resgate.
Nesse caso, avisou o líder do CDS, no acordo que viesse a ser assinado para o Estado português receber financiamento, seria exigido pela Comissão Europeia que os partidos do arco de governação, ou seja, o PSD, o PS e o CDS, aceitassem deixar explícito que se comprometiam a alterar o perfil do modelo de Estado que está inscrito na Constituição.
Assim, o presidente do CDS e vice-primeiro-ministro, que tem conduzido as negociações com a troika e que negociou as oitava e nona avaliações do cumprimento do acordo do memorando, deixou claro aos seus pares de direcção que, depois dos chumbos que têm sido feitos pelo Tribunal Constitucional, ficou explícito para os credores que há uma incompatibilidade entre a leitura que o Tribunal Constitucional faz da Constituição portuguesa, mesmo em estado de emergência financeira, e aquilo que é a transformação do modelo do Estado português que essas mesmas instituições exigem ao país.
Daí que Portas tenha a percepção de que qualquer novo resgate financeiro a Portugal, adquira ou não este nome, irá ser feito com exigências que passam pela explicitação de que os partidos portugueses que podem ocupar o governo aceitam a transformação do perfil constitucional do Estado português. Uma exigência que o líder do CDS considera que nunca será aceite pelo PS. Temendo assim que, perante tal cenário, a governabilidade possa ser substituída pelo caos.
Esta visão pessimista de Paulo Portas foi argumentada pelo próprio aos seus pares de direcção com base na experiência que teve durante a oitava e nona avaliações. O vice-primeiro-ministro transmitiu a ideia de que as entidades que compõem a troika terão mudado de atitude em relação a Portugal. E que terá chegado ao fim uma certa condescendência com que o país era visto. Sobretudo num momento em que a Grécia começa a dar sinais positivos, depois de ter lidado com medidas muito mais fortes que as aplicadas a Portugal. E em que a Irlanda, que fez cortes de despesa pública radicais logo de início, se prepara para regressar aos mercados para se financiar.